ENEM - 2016 - INEP

N° de questões: 180

111

INF1856

Português

Querido diário

      Hoje topei com alguns conhecidos meus
      Me dão bom-dia, cheios de carinho
      Dizem para eu ter muita luz, ficar com Deus
      Eles têm pena de eu viver sozinho
      [...]
      Hoje o inimigo veio me espreitar
      Armou tocaia lá na curva do rio
      Trouxe um porrete a mó de me quebrar
      Mas eu não quebro porque sou macio, viu

HOLANDA, C. B. Chico. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2013 (fragmento).

Uma característica do gênero diário que aparece na letra da canção de Chico Buarque é o(a)

diálogo com interlocutores próximos.
recorrência de verbos no infinitivo.
predominância de tom poético.
uso de rimas na composição.
narrativa autorreflexiva.

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INF1857

Português

Galinha cega

      O dono correu atrás de sua branquinha, agarrou-a, lhe examinou os olhos. Estavam direitinhos, graças a Deus, e muito pretos. Soltou-a no terreiro e lhe atirou mais milho. A galinha continuou a bicar o chão desorientada. Atirou ainda mais, com paciência, até que ela se fartasse. Mas não conseguiu com o gasto de milho, de que as outras se aproveitaram, atinar com a origem daquela desorientação. Que é que seria aquilo, meu Deus do céu? Se fosse efeito de uma pedrada na cabeça e se soubesse quem havia mandado a pedra, algum moleque da vizinhança, aí... Nem por sombra imaginou que era a cegueira irremediável que principiava.

      Também a galinha, coitada, não compreendia nada, absolutamente nada daquilo. Por que não vinham mais os dias luminosos em que procurava a sombra das pitangueiras? Sentia ainda o calor do sol, mas tudo quase sempre tão escuro. Quase que já não sabia onde é que estava a luz, onde é que estava a sombra.

GUIMARAENS, J. A. Contos e novelas. Rio de Janeiro: Imago, 1976 (fragmento).

Ao apresentar uma cena em que um menino atira milho às galinhas e observa com atenção uma delas, o narrador explora um recurso que conduz a uma expressividade fundamentada na
captura de elementos da vida rural, de feições peculiares.
caracterização de um quintal de sítio, espaço de descobertas.
confusão intencional da marcação do tempo, centrado na infância.
apropriação de diferentes pontos de vista, incorporados afetivamente.
fragmentação do conflito gerador, distendido como apoio à emotividade.

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INF1858

Português

Sem acessórios nem som

               Escrever só para me livrar
               de escrever.
               Escrever sem ver, com riscos
               sentindo falta dos acompanhamentos
               com as mesmas lesmas
               e figuras sem força de expressão.
               Mas tudo desafina:
               o pensamento pesa
               tanto quanto o corpo
               enquanto corto os conectivos
               corto as palavras rentes
               com tesoura de jardim
               cega e bruta
               com facão de mato.
               Mas a marca deste corte
               tem que ficar
               nas palavras que sobraram.
               Qualquer coisa do que desapareceu
               continuou nas margens, nos talos
               no atalho aberto a talhe de foice
               no caminho de rato.

FREITAS FILHO, A. Máquina de escrever: poesia reunida e revista.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.

Nesse texto, a reflexão sobre o processo criativo aponta para uma concepção de atividade poética que põe em evidência o(a)

angustiante necessidade de produção, presente em “Escrever só para me livrar/ de escrever”.
imprevisível percurso da composição, presente em “no atalho aberto a talhe de foice/ no caminho de rato”.
agressivo trabalho de supressão, presente em “corto as palavras rentes/ com tesoura dejardim/ cega e bruta”.
inevitável frustração diante do poema, presente em “Mas tudo desafina:/ o pensamento pesa/ tanto quanto o corpo”.
conflituosa relação com a inspiração, presente em “sentindo falta dos acompanhamentos/ e figuras sem força de expressão”.

114

INF1859

Educação Artística


      A origem da obra de arte (2002) é uma instalação seminal na obra de Marilá Dardot. Apresentada originalmente em sua primeira exposição individual, no Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, a obra constitui um convite para a interação do espectador, instigado a compor palavras e sentenças e a distribuí-las pelo campo. Cada letra tem o feitio de um vaso de cerâmica (ou será o contrário?) e, à disposição do espectador, encontram-se utensílios de plantio, terra e sementes. Para abrigar a obra e servir de ponto de partida para a criação dos textos, foi construído um pequeno galpão, evocando uma estufa ou um ateliê de jardinagem. As 1 500 letras-vaso foram produzidas pela cerâmica que funciona no Instituto Inhotim, em Minas Gerais, num processo que durou vários meses e contou com a participação de dezenas de mulheres das comunidades do entorno. Plantar palavras, semear ideias é o que nos propõe o trabalho. No contexto de Inhotim, onde natureza e arte dialogam de maneira privilegiada, esta proposição se torna, de certa maneira, mais perto da possibilidade.

Disponível em: www.inhotim.org.br. Acesso em: 22 maio 2013 (adaptado).

A função da obra de arte como possibilidade de experimentação e de construção pode ser constatada no trabalho de Marilá Dardot porque
o projeto artístico acontece ao ar livre.

o observador da obra atua como seu criador.

a obra integra-se ao espaço artístico e botânico.
as letras-vaso são utilizadas para o plantio de mudas.
as mulheres da comunidade participam na confecção das peças.

115

INF1860

Português

      O nome do inseto pirilampo (vaga-lume) tem uma interessante certidão de nascimento. De repente, no fim do século XVII, os poetas de Lisboa repararam que não podiam cantar o inseto luminoso, apesar de ele ser um manancial de metáforas, pois possuía um nome “indecoroso” que não podia ser “usado em papéis sérios”: caga-lume. Foi então que o dicionarista Raphael Bluteau inventou a nova palavra, pirilampo, a partir do grego pyr, significando 'fogo’, e lampas, 'candeia’.

FERREIRA, M. B. Caminhos do português: exposição comemorativa do Ano Europeu
das Línguas. Portugal: Biblioteca Nacional, 2001 (adaptado).

O texto descreve a mudança ocorrida na nomeação do inseto, por questões de tabu linguístico. Esse tabu diz respeito à

recuperação histórica do significado.
ampliação do sentido de uma palavra.
produção imprópria de poetas portugueses.
denominação científica com base em termos gregos.
restrição ao uso de um vocábulo pouco aceito socialmente.

116

INF1861

Português

Primeira lição

Os gêneros de poesia são: lírico, satírico, didático, épico, ligeiro.
O gênero lírico compreende o lirismo.
Lirismo é a tradução de um sentimento subjetivo, sincero e pessoal.
É a linguagem do coração, do amor.
O lirismo é assim denominado porque em outros tempos os versos sentimentais eram declamados ao som da lira.
O lirismo pode ser:
a) Elegíaco, quando trata de assuntos tristes, quase sempre a morte.
b) Bucólico, quando versa sobre assuntos campestres.
c) Erótico, quando versa sobre o amor.
O lirismo elegíaco compreende a elegia, a nênia, a endecha, o epitáfio e o epicédio.
Elegia é uma poesia que trata de assuntos tristes.
Nênia é uma poesia em homenagem a uma pessoa morta.
Era declamada junto à fogueira onde o cadáver era incinerado.
Endecha é uma poesia que revela as dores do coração.
Epitáfio é um pequeno verso gravado em pedras tumulares.
Epicédio é uma poesia onde o poeta relata a vida de uma pessoa morta.

CESAR, A. C. Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

No poema de Ana Cristina Cesar, a relação entre as definições apresentadas e o processo de construção do texto indica que o(a)

caráter descritivo dos versos assinala uma concepção irônica de lirismo.
tom explicativo e contido constitui uma forma peculiar de expressão poética.
seleção e o recorte do tema revelam uma visão pessimista da criação artística.
enumeração de distintas manifestações líricas produz um efeito de impessoalidade.
referência a gêneros poéticos clássicos expressa a adesão do eu lírico às tradições literárias.

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INF1862

Português

Você pode não acreditar

      Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que os leiteiros deixavam as garrafinhas de leite do lado de fora das casas, seja ao pé da porta, seja na janela.
      A gente ia de uniforme azul e branco para o grupo, de manhãzinha, passava pelas casas e não ocorria que alguém pudesse roubar aquilo.
      Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que os padeiros deixavam o pão na soleira da porta ou na janela que dava para a rua. A gente passava e via aquilo como uma coisa normal.
    Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que você saía à noite para namorar e voltava andando pelas ruas da cidade, caminhando displicentemente, sentindo cheiro de jasmim e de alecrim, sem olhar para trás, sem temer as sombras.
    Você pode não acreditar: houve um tempo em que as pessoas se visitavam airosamente. Chegavam no meio da tarde ou à noite, contavam casos, tomavam café, falavam da saúde, tricotavam sobre a vida alheia e voltavam de bonde às suas casas.
      Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que o namorado primeiro ficava andando com a moça numa rua perto da casa dela, depois passava a namorar no portão, depois tinha ingresso na sala da família. Era sinal de que já estava praticamente noivo e seguro.
      Houve um tempo em que havia tempo.
      Houve um tempo.

SANT’ANNA, A. R. Estado de Minas, 5 maio 2013 (fragmento).

Nessa crônica, a repetição do trecho “Você pode não acreditar: mas houve um tempo em que...” configura-se como uma estratégia argumentativa que visa
surpreender o leitor com a descrição do que as pessoas faziam durante o seu tempo livre antigamente.
sensibilizar o leitor sobre o modo como as pessoas se relacionavam entre si num tempo mais aprazível.
advertir o leitor mais jovem sobre o mau uso que se faz do tempo nos dias atuais.
incentivar o leitor a organizar melhor o seu tempo sem deixar de ser nostálgico.
convencer o leitor sobre a veracidade de fatos relativos à vida no passado.

118

INF1863

Português

      O livro A fórmula secreta conta a história de um episódio fundamental para o nascimento da matemática moderna e retrata uma das disputas mais virulentas ciência renascentista. Fórmulas misteriosas, duelos públicos, traições, genialidade, ambição — e matemática! Esse é o instigante universo apresentado no livro, que resgata a história dos italianos Tartaglia e Cardano e da fórmula revolucionária para resolução de equações de terceiro grau.  A obra reconstitui um episódio polêmico que marca, para muitos, o início do período moderno da matemática.
      Em última análise, A fórmula secreta apresenta-se como uma ótima opção para conhecer um pouco mais sobre a história da matemática e acompanhar um dos debates científicos mais inflamados do século XVI no campo. Mais do que isso, é uma obra de fácil leitura e uma boa mostra de que é possível abordar temas como álgebra de forma interessante, inteligente e acessível ao grande público.

GARCIA, M. Duelos, segredos e matemática. Disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br.
Acesso em: 6 out. 2015 (adaptado).

Na construção textual, o autor realiza escolhas para cumprir determinados objetivos. Nesse sentido, a função social desse texto é
interpretar a obra a partir dos acontecimentos da narrativa.
apresentar o resumo do conteúdo da obra de modo impessoal.
fazer a apreciação de uma obra a partir de uma síntese crítica.
informar o leitor sobre a veracidade dos fatos descritos na obra.
classificar a obra como uma referência para estudiosos da matemática.

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INF1864

Literatura

A partida de trem

      Marcava seis horas da manhã. Angela Pralini pagou o táxi e pegou sua pequena valise. Dona Maria Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos. A velha bem-vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido na idade, e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se a um certo ponto — e o que foi não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-se. Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a subir no vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs em movimento, surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e sentara-se de costas para o caminho.
      Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:
      — A senhora deseja trocar de lugar comigo?
      Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo. Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filigranado de ouro, espetado no peito, passou a mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:
      — É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar?

LISPECTOR, C. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1980 (fragmento).

A descoberta de experiências emocionais com base no cotidiano é recorrente na obra de Clarice Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a)
comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada.
anulação das diferenças sociais no espaço público de uma estação.
incompatibilidade psicológica entre mulheres de gerações diferentes.
constrangimento da aproximação formal de pessoas desconhecidas.
sentimento de solidão alimentado pelo processo de envelhecimento.

120

INF1865

Português

Esses chopes dourados

      [...]
      quando a geração de meu pai
      batia na minha
      a minha achava que era normal
      que a geração de cima
      só podia educar a de baixo
      batendo

      quando a minha geração batia na de vocês
      ainda não sabia que estava errado
      mas a geração de vocês já sabia
      e cresceu odiando a geração de cima

      aí chegou esta hora
      em que todas as gerações já sabem de tudo
      e é péssimo
      ter pertencido à geração do meio
      tendo errado quando apanhou da de cima
      e errado quando bateu na de baixo

      e sabendo que apesar de amaldiçoados
      éramos todos inocentes.

WANDERLEY, J. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores poemas brasileiros
do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001 (fragmento). 

Ao expressar uma percepção de atitudes e valores situados na passagem do tempo, o eu lírico manifesta uma angústia sintetizada na
compreensão da efemeridade das convicções antes vistas como sólidas.
consciência das imperfeições aceitas na construção do senso comum.
revolta das novas gerações contra modelos tradicionais de educação.
incerteza da expectativa de mudança por parte das futuras gerações.
crueldade atribuída à forma de punição praticada pelos mais velhos.