Galinha cega
O dono correu atrás de sua branquinha, agarrou-a,
lhe examinou os olhos. Estavam direitinhos, graças a
Deus, e muito pretos. Soltou-a no terreiro e lhe atirou mais
milho. A galinha continuou a bicar o chão desorientada.
Atirou ainda mais, com paciência, até que ela se fartasse.
Mas não conseguiu com o gasto de milho, de que as
outras se aproveitaram, atinar com a origem daquela
desorientação. Que é que seria aquilo, meu Deus do
céu? Se fosse efeito de uma pedrada na cabeça e se
soubesse quem havia mandado a pedra, algum moleque
da vizinhança, aí... Nem por sombra imaginou que era a
cegueira irremediável que principiava.
Também a galinha, coitada, não compreendia nada,
absolutamente nada daquilo. Por que não vinham mais
os dias luminosos em que procurava a sombra das
pitangueiras? Sentia ainda o calor do sol, mas tudo quase
sempre tão escuro. Quase que já não sabia onde é que
estava a luz, onde é que estava a sombra.
GUIMARAENS, J. A. Contos e novelas. Rio de Janeiro: Imago, 1976 (fragmento).