O Recife fervilhava no começo da década de 1990, e os artistas trabalhavam para resgatar o prestígio da cultura pernambucana. Era preciso se inspirar, literalmente, nas raízes sobre as quais a cidade se construiu. Foi aí que, em 1992, com a publicação de um manifesto escrito pelo músico e jornalista Fred Zero Quatro, da banda Mundo Livre S/A, nasceu o manguebeat. O nome vem de “mangue”, vegetação típica da região, e “beat”, para representar as batidas e as influências musicais que o movimento abraçaria a partir dali. Era a hora e a vez de os caranguejos — aos quais os músicos recifenses gostavam de se comparar — mostrarem as caras: o maracatu e suas alfaias se misturaram com as batidas do hip-hop, as guitarras do rock, elementos eletrônicos e o sotaque recifense de Chico Science. A busca pelo novo rendeu uma perspectiva diferente do Brasil ao olhar para o Recife. A cidade deixou de ser o lugar apenas do frevo e do carnaval, transformando-se na ebulição musical que continua a acontecer mesmo após os 25 anos do lançamento do primeiro disco da Nação Zumbi, Da lama ao caos.
FORCIONI, G. et al. O mangue está de volta. Revista Esquinas, n. 87, set 2019 (adaptado).
Chico Science foi fundamental para a renovação da música pernambucana, fato que se deu pela
SILVEIRA, R. In absentia, 1983. Instalação, 17ª Bienal de São Paulo. Disponível em: www.bienal.org.br. Acesso em: 1 set. 2016 (adaptado).
TEXTO II
O Termo ready-made foi criado por Marcel Duchamp (1887-1968) para designar um tipo de objeto, por ele inventado, que consiste em um ou mais artigos de uso cotidiano, produzidos em massa, selecionados sem critérios e expostos como obras de arte em espaços especializados (museus e galerias). Seu primeiro ready-made, de 1912, é uma roda de bicicleta montada sobre um banquinho (Roda de bicicleta). Ao transformar qualquer objeto em obra de arte, o artista realiza uma crítica radical ao sistema da arte.
Vanda vinha do interior de Minas Gerais e de dentro
de um livro de Charles Dickens. Sem dinheiro para criá-la,
sua mãe a dera, com seus sete anos, a uma conhecida.
Ao recebê-la, a mulher perguntou o que a garotinha
gostava de comer. Anotou tudo num papel. Mal a mãe
virou as costas, no entanto, a fulana amassou a lista e,
como uma vilã de folhetim, decretou: “A partir de hoje,
você não vai mais nem sentir o cheiro dessas comidas!”. Vanda trabalhou lá até os quinze anos, quando
recebeu a carta de uma prima com uma nota de cem
cruzeiros, saiu de casa com a roupa do corpo e fugiu num
ônibus para São Paulo. Todas as vezes que eu e minha irmã a importunávamos
com nossas demandas de criança mimada, ela nos contava
histórias da infância de gata-borralheira, fazia-nos apertar
seu nariz quebrado por uma das filhas da “patroa” com um
rolo de amassar pão e nos expulsava da cozinha: “Sai pra
lá, peste, e me deixa acabar essa janta”.
PRATA, A. Nu de botas. São Paulo: Cia. das Letras, 2013 (adaptado).
Pela ótica do narrador, a trajetória da empregada de sua
casa assume um efeito expressivo decorrente da
10 de maio Fui na delegacia e falei com o tenente. Que homem
amavel! Se eu soubesse que ele era tão amavel, eu teria
ido na delegacia na primeira intimação. [...] O tenente
interessou-se pela educação dos meus filhos. Disse-me
que a favela é um ambiente propenso, que as pessoas
tem mais possibilidade de delinquir do que tornar-se util
a patria e ao país. Pensei: se ele sabe disto, porque não
faz um relatorio e envia para os politicos? O senhor Janio
Quadros, o Kubstchek e o Dr. Adhemar de Barros?
Agora falar para mim, que sou uma pobre lixeira.
Não posso resolver nem as minhas dificuldades. ... O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já
passou fome. A fome tambem é professora.
Quem passa fome aprende a pensar no próximo,
e nas crianças.
JESUS, C. M. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2014
A partir da intimação recebida pelo filho de 9 anos,
a autora faz uma reflexão em que transparece a
— [...] Na terça desliguei-me do grupo e caí no mar alto
da depravação, só, com uma roupa leve por cima da pele e
todos os maus instintos fustigados. De resto a cidade inteira
estava assim. É o momento em que por trás das máscaras
as meninas confessam paixões aos rapazes, é o instante
em que as ligações mais secretas transparecem, em que
a virgindade é dúbia, e todos nós a achamos inútil, a honra
uma caceteação, o bom senso uma fadiga. Nesse momento
tudo é possível, os maiores absurdos, os maiores crimes;
nesse momento há um riso que galvaniza os sentidos e o
beijo se desata naturalmente.
Eu estava trepidante, com uma ânsia de acanalhar-me,
quase mórbida. Nada de raparigas do galarim perfumadas
e por demais conhecidas, nada do contato familiar,
mas o deboche anônimo, o deboche ritual de chegar,
pegar, acabar, continuar. Era ignóbil. Felizmente muita
gente sofre do mesmo mal no carnaval.
RIO, J. Dentro da noite. São Paulo: Antiqua, 2002.
No texto, o personagem vincula ao carnaval atitudes e
reações coletivas diante das quais expressa